Zerø: Prólogo #1 - O Viajante.

     Durante anos e anos, diversas regiões receberam a visita de um homem no mínimo exótico. Nunca estava acompanhado por um Pokemon ou qualquer outra pessoa, viajava sozinho em trajes surrados e com os cabelos compridos caindo para além dos ombros. Seria cego do olho direito por andar sempre com ele coberto? Alguns diziam que também não tinha o braço direito, mas nem tudo que contam sobre ele é verdade de fato. O que ele fazia era reunir o máximo de pessoas que conseguia para que escutassem seu discurso. Sempre o mesmo discurso.

[Vaniville, Kalos]

 — Eu os convido para pensarem de outro ângulo sobre tudo o que conhecem! Tudo aquilo que os incomodam, seus questionamentos existenciais, seus comportamentos e raciocínios de certo e errado. Pensem por outro ponto de vista.

 — Pintou um doido falando alto na cidade... — Ela mexia uma panela na cozinha, observando o homem através da janela.

 — Guuu? — Tentando se colocar de pé num berço, uma bebê segurava um ovo e apontava na direção da janela.

 — Leuri, que absurdo! Ovo tá caro, pode jogar isso não! Quando for assim, dá panelada nele, é mais econômico! — Ela entregou um brinquedo emborrachado em formato de panela para a bebê, que começou a mordê-lo, babando nele todo.

    As reações eram quase sempre as mesmas...

[Sootopolis, Hoenn]

    O homem discursava em cima de um toco de árvore colorido para vários Wingull, crianças, um Skiddo e outras criaturas medonhas com muitos braços e olhos, típicas da cidade.

 — Miguxos, vamos humilhar esse velho que ele tá gagá! — exclamou um garotinho rebolante que ainda usava fraldas. As outras crianças de chupetas e o Skiddo logo se animaram, levantando chocalhos em chamas.

[Wedgehurst, Galar]

    Algumas vezes, até conseguia causar algum impacto, mas ninguém tinha coragem de se permitir pensar tanto a respeito...

 — Ei, Sonia, você não vai querer ficar ouvindo essa besteira, né? Vamos encontrar o Ray, o Goomy dele aprendeu um ataque novo e ele já tá achando que pode vencer até a Campeã, haha! — Um menino com um Charmander na cabeça se aproximou de sua amiga, que foi pega de surpresa por estar prestando atenção no discurso.

Sonia: Ah, sim, pode ir na frente que já te alcanço! — Ela acenou para seu amigo, que correu para longe dali.

 — ...Pensem por outro ponto de vista e então me respondam. — Ele fez uma pausa, conseguindo a atenção das pessoas. — Devemos manter Pokemon dentro de Pokeballs para os usarmos em batalhas que nada mais são do que entretenimento ou meios de alcançarmos nossos desejos? Isso não é o mesmo que reduzirmos a existência dos Pokemon à meras ferramentas humanas? Por isso eu venho propagar através de nada além das minhas palavras... Os ideais do povo Draconid. Meus ancestrais... Eles que viviam em igualdade com os Pokemon, não os confinavam aos seus ideais! Eles ficariam enojados com o que acontece nos campeonatos dessa região!

Sonia: Será que estou fazendo as coisas da maneira certa? — Ela pensava enquanto fitava uma Pokeball na palma de sua mão. — Não, eu não deveria estar pensando assim... É melhor eu ir embora logo.

    Apesar da rejeição em massa, o homem continuava sua viagem... Por aqueles que encontravam conforto em suas palavras.

 — Espere! — Um homem velho de cabelos brancos correu com dificuldades até o portão da cidade de Vaniville, onde o viajante já ia embora. — Aquilo que você disse sobre pensar de outro jeito... Funciona de verdade? Minha vida parece não ter nenhum sentido há tantos anos... Estou congelado, nada acontece!

 — Seu coração bate, você respira... Isso é uma simples existência e nada mais para um ser vivo. Pode ser a definição de viver, mas não acho que defina vida. Alegria e sofrimento são parte vital de estar vivo. Lutar pelo que acredita também.

    O mesmo se repetia em outros lugares...

 — Aqui em Sootopolis é tudo sobre o dinheiro... Eu só penso em vender cada vez mais, não me recordo da última vez que aproveitei o mar e o tempo está passando rápido para mim, estou envelhecendo.

 — Homens superiores entendem o que é certo. Homens inferiores entendem o que vai vender. Que tipo de homem você quer ser?

 — Senhor, eu cometi muitos erros com o meu Pokemon... Minha Wishing Star já não mais reflete o meu desejo. Libertá-lo é mesmo o que devo fazer pelo bem dele? Isso acabará com minha angústia?

 — Um homem que cometeu um erro e não o corrige está cometendo outro erro. Você entende o que isso significa? Evitar todos os erros é impossível, mas não corrigir os erros que você cometeu, isso é realmente tolice.

    Conselhos fajutos? Frases prontas? Manipulação? Ou somente uma nova forma de pensar? Foi com palavras e pensamentos que em passos lentos o viajante inspirou diversas pessoas. A cada uma que era inspirada passava a propagar os mesmos ideais, portanto, uma nova ideologia estava surgindo, espalhada pelos cantos do mundo...

 — Como o primeiro dos sete sábios e como aquele que inspirou todas as pessoas aqui presentes... Aceite a coroa. — De frente para o grande trono de um salão de mármore, um dos homens coroava o viajante, agora vestido com um manto de tecido valioso.

 — Por um mundo onde nossas diferenças ainda nos tornam semelhantes! Por um mundo onde os Pokemon são livres assim como nós! Por um mundo idealizado pela Team Plasma! — O homem levantou os dois braços para o alto e os diversos seguidores ajoelharam-se perante a ele.

    Por cima dos outros sábios, uma bandeira com um brasão ergueu-se. A Team Plasma se formava e o viajante coroado sorria de satisfação, sem mostrar os dentes e arqueando as sobrancelhas.

    Mas a história do nosso viajante não terminou dessa forma. Pelo contrário, ela só está começando. Em seu tempo em Unova, ele ficou sabendo da história de um garoto órfão que foi expulso de sua cidade e agora vivia na floresta junto dos Pokemon. Curioso com o que havia acontecido, ele decidiu procurar pelo menino, o encontrando após algum tempo.

 — Não nos machuque! — pediu o garoto, agarrando-se num grande Darmanitan que se colocou em sua frente assim que o viajante tentou se aproximar.

 — Não se preocupe, criança. Eu jamais machucaria qualquer um de vocês, isso iria contra tudo o que eu prego sobre igualdade entre humanos e Pokemon.

~Doraaamanitan? — O Pokemon se voltou para o garoto, o fazendo uma pergunta.

 — Eu não sei... Você acha?

 — Desculpe, você entende o que esse Pokemon está dizendo? — Ele viu o menino assentir com a cabeça, voltando a se esconder atrás do gorila. — Isso é... Fantástico. Vocês entendem-se como iguais... Seus corações batem do mesmo jeito. Criança, se vier comigo, posso protegê-lo junto da sua família.

 — Mas todos me chamaram de aberração... — Ele encolheu-se novamente. Um Woobat e um Zorua também o acompanhavam, igualmente assustados. — Esses Pokemon foram todos maltratados e expulsos... Assim como eu.

 — Confie em mim, ficarão em segurança. O sonho da Team Plasma é libertar os Pokemon das pessoas abusivas. Serei seu pai, criança.

 — Meu pai... — O menino brilhou os olhos, então os Pokemon ao seu redor afastaram-se. O homem arqueou as sobrancelhas, surpreso com o que viu repousado no chão.

    E assim, o viajante levou o menino para seu castelo, o criando na companhia dos Pokemon maltratados por humanos. Em poucos dias, uma tapeçaria era estendida por cima do trono no salão principal, sob o olhar cabisbaixo de duas menininhas com vestidos remendados, uma com cabelos rosados e a outra loira. Os sábios afastaram-se para contemplarem e os demais seguidores ajoelharam-se em sinal de respeito. Aos pés da tapeçaria era possível ler;

"Ghetsis e os futuros Reis da Team Plasma, seus filhos N. e Wally."

Continua